Atua este domingo, dia 10 de julho, no Festival da Comida Continente no Parque da Cidade do Porto e esteve à conversa com o site do Fama. A agenda cheia e a ansiedade, o movimento da música em Portugal, o disco duplo e mais. Carolina Deslandes não deixou nada por dizer.
Foi antes da festa de final de ano do seu filho mais velho, Santiago, que a cantora se mostrou entusiasmada por 2022 ser o regresso definitivo aos palcos, depois de dois anos em que a pandemia alterou todos os planos.
“Tirei menos de um mês de férias em cinco anos”
“Eu e a minha equipa estamos sempre a chorar”, começa por contar sobre a emoção de regressar à estrada e pisar o palco. “É mesmo aquela adrenalina de tocar ao vivo de que sentíamos falta e saíres todo suado. Vicia e estar com as pessoas também”, indica, apesar do cansaço.
Carolina Deslandes não tem parado entre concertos (com reagendamentos de dois anos) e gravações do The Voice Kids. Mas há mais. “Componho para mim e para outros artistas, vou voltar a fazer o ‘Nova Cinderela no Gelo’ e entretanto sou mãe de três filhos, um deles com o espetro de autismo… quando vi a minha agenda pensei: ‘ Como vou cumprir este ano?’”, recorda.
Em 2021, ao falar de saúde mental nas redes sociais, Deslandes comentou a importância de retirar beleza e o orgulho na palavra ‘workaholic’ [alguém que trabalha compulsivamente]. Será que a cantora tem tempo para desfrutar do que conquistou em 10 anos de carreira? A resposta não tardou.
“Não. Não tenho. Tenho que ser sincera. Precisa de haver um esforço porque as pessoas merecem ver-te [perante os adiamentos de concertos], mas eu posso dizer-te que nos últimos cinco anos somados, tirei menos de um mês de férias”, assume a cantora que pretende, em 2023, ter menos compromissos.
Diz ‘não’ para poder dizer ‘sim’ às pequenas coisas
Na semana em que não está com os seus três filhos, Carolina Deslandes concentra a maior parte do seu trabalho que consegue, na seguinte, com Santiago, Benjamim e Guilherme, atreve-se aos momentos mundanos do dia. “Ficar a fazer panquecas, estar com dos miúdos na piscina, buscá-los mais cedo à escola, ir ao parque. Fazer até coisas que muitos pais não podem… embora isso também não seja descanso”, reflete.
Para isso começou a dizer mais vezes ‘não’ a jantares com amigos, exemplo. O ‘sim’ entusiasta pode prejudicar o tempo com os filhos ou o descanso entre concertos. “Eu queria ir a um concerto, mas tenho quatro meus num fim de semana, então não vou. Tenho que estar sempre a medir que coisas posso furar. Se é um modo de vida? Não. Para o ano quero estar com a minha agenda mais estruturada“, revela.
“Que haja um imaginário nas canções, não tenho de contar tudo”
Depois do single de avanço, Paz, Deslandes tem explorado mais facetas da sua voz – graças à cantora Diana Castro – e promete para este ano um disco duplo: Caos e Calma, um produzido por Diogo Clemente, músico, produtor e pai dos seus três filhos, e outro sob a alçada de Agir, cantor e melhor amigo da artista.
“Tenho duas das mais importantes a produzir. É um processo super emocional e bonito e ambos puxam por diferentes partes diferentes de mim. O álbum vai também retratar a fase do divórcio, a fase mais difícil da minha vida”,adianta a compositora. Voltar a essa fase menos positiva não é fácil. Deslandes confessa que para escrever, tem que viajar ao momento em que aconteceu – não posso interpretar já sob a perspectiva da distância.
Mas num álbum tão pessoal, o que se seleciona e o que fica de fora? Segundo cantora, tudo se escreve e tudo se compõe, fazer escolhas é para depois. “Acho que tu não filtras. Eu componho de forma muito autobiográfica, mas às vezes tens estados emotivos que não têm uma duração [ou importância] na tua vida. Podes falar da tua mágoa, mas queres que aquilo fique eternizado numa canção?”, questiona.
Com mediatismo e mais de 950 mil seguidores no Instagram e uma voz mediática – e um interesse pela sua vida pessoal – as suas canções são muitas vezes um jogo de ‘para quem é?’ e ‘será isto um recado/indirecta?’, tentando espelhar o que é conhecido da sua vida e reduzindo aquilo que é a sua voz criativa.
“É sempre algo complicado para os artistas, sobretudo com o meu nível de mediatismo. Confundem a minha franqueza com o ‘ela está a falar disto, então está a pedi-las’ . Por vezes, o escrutínio do que está por detrás da canção é maior do que a canção. E isso é uma chatice. Deixem que fiquem coisas não absolutamente explícitas na canção, porque embora tenha sido eu a fazer e seja sobre a minha vida, eu quero que toda a gente sinta que é sobre a vida das pessoas que precisam de a ouvir. Deixem que haja um imaginário nas canções. Não tenho de contar tudo”, pede.
“Não acredito num bom artista que não seja bom colega”
Entre frases inspiradoras, desabafos, momentos de backstage, há um outro elemento constante naquilo que partilha nas suas redes sociais: a promoção de novos artistas, nomes que descobriu e até nunca colaborou. A cantora está inclusive à procura de rostos- que “não tenham duetos com ninguém” ou “não sejam muito conhecidos”- para o seu disco.
Mas porque partilha o trabalho dos outros? E porque mais rostos não o fazem?
“Posso-te dizer que temos uma indústria tão pequena e há tanta gente a fazer música, a escrever, lançar e correr bem… Mas parece que nos foi sempre incutido de que ‘não há lugar para todos’. É aquela coisa de ‘és amigo daquela pessoa, mas tens que te salvaguardar porque estão a concorrer contigo ‘. E isto dá a sensação de que tenho que pensar em mim primeiro porque isto é o nosso ganha-pão”, começa por explicar.
“Quando for a altura de escolher quem vai ao festival é entre vocês as duas”, toma como exemplo, reforçando que a competição é ainda mais enfatizada em mulheres. Observações como estas não são novidade, e em mercados maiores como Estados Unidos, cantoras como Christina Aguilera e Kelly Clarkson já falaram de como se constroem rivalidades, não só sem fundamento, mas até vindas dentro da própria indústria, alimentando rumores e até adensando discussões entre fãs.
“Não acredito num bom artista que não seja um bom colega. Então eu estar a promover ou divulgar outros artistas é estar a passar por cima de mim?”, questiona, provando que se trata exatamente do contrário.
O movimento em Portugal e o músico que lhe tirou o sono
Deslandes acredita que mais quantidade e qualidade só obrigam a indústria portuguesa e expandir-se. Mais nomes, mais postos de trabalho. “Gosto de pensar daqui a uns bons anos, vão olhar para trás e dizer ‘que incrível que foi viver numa explosão criativa onde muitos começaram a compor em casa, a gravar videoclips com o telefone’. Estou a fazer parte de um movimento”, aponta, sublinhando que quer que os fãs e seguidores conheçam esse pólo criativo.
“Eu adoro que me mostrem novas canções e playlists”, revela, apontando que muitas delas conhece através dos seus melhores amigos. “Eu quando ouvi Valter Lobo, fui pesquisar a discografia inteira e fiquei acordada até às cinco da manhã. E isto faz-me gostar mais da minha profissão”, assegura.
O Festival da Comida Continente
Este domingo, no Parque da Cidade do Porto, Carolina Deslandes atua no festival gratuito que conta com Pedro Abrunhosa e Daniela Mercury no cartaz. Para o concerto, Deslandes promete cantar músicas inéditas num espetáculo que chama muitas famílias.
“Não sinto que uma avó se sinta deslocada, nem a mãe ou a neta. Toda a gente encontra lugar ali”, conta sobre os seus concertos. “Eu não sou uma brilhante ‘entertainer’, gosto de ser boa comunicadora, gosto de falar. O que me faz sentido é falar com as pessoas, contextualizá-las sobre as músicas e passar uma mensagem. Se me dás um microfone e um palco, não vou sair de lá sem dizer algumas coisas que têm de ser ditas”, completa.