No dia 24 de fevereiro o terror instalou-se na Ucrânia: às cinco da manhã as forças russas, comandadas pelo presidente Vladimir Putin, iniciaram a invasão e assim começaram os bombardeamentos em vários pontos do país. Victoria e a família, que vive em Ternopil, ficaram aterrorizados. Naquele momento, a jovem ucraniana de 20 anos decidiu gravar um vídeo da mãe e da irmã de 10 anos abraçadas e a chorar. Uma publicação que não deixou ninguém indiferente no ‘Host a Sister’, grupo do Facebook onde o vídeo foi partilhado. Havia uma guerra lá fora, mas estavam juntos. E isso era o que mais importava naquele momento.
Numa entrevista exclusiva à SIC Mulher, Victoria relata como têm sido os últimos dias. “À medida que o tempo ia passando, começámos a ver quase todas as cidades e aldeias a serem bombardeadas ao mesmo tempo. Estávamos aterrorizados“, conta a jovem, pedindo desculpa pelos possíveis barulhos de fundo. “Estou escondida com a minha família com as luzes apagadas porque estão sirenes lá fora. Quando as sirenes estão lá fora quer dizer que o exército russo dispara algo contra a nossa cidade pela fronteira da Bielorússia”, explica.
A artista sublinha que a cidade onde vive, no oeste da Ucrânia, “ainda está pacífica” e é a que tem “o maior número de refugiados” do país. No entanto, muitos dos seus amigos moram nas cidades mais atacadas pela Rússia. “A maior diferença entre a Ucrânia oriental e o oeste da Ucrânia é a língua”, afirma, referindo que o ucraniano é maioritário nas regiões mais ocidentais. “Tenho amigos por toda a Ucrânia, mesmo amigos muito próximos, dos 18 anos aos 25 anos. A maioria é da zona oriental da Ucrânia, que começou a ser bombardeada severamente. Começámos a ficar muito assustados porque a maioria dos meus amigos vive muito próximo da Rússia, a 20 quilómetros da fronteira”, revela.
“A guerra começou no dia 24 de fevereiro e nesse dia nós tínhamos que ir para a estação de comboio porque meses antes tínhamos decidido viajar para Espanha durante três dias. Não nos víamos há seis meses. No dia 25 de fevereiro deveríamos estar em Espanha, mas não fomos porque a guerra começou e estou muito agradecida por isso. Se tivéssemos ido para a capital, Kyiv, provavelmente estaríamos mortos agora. Esta é a triste realidade“, disse.
Na primeira publicação que fez no grupo ‘Host a Sister’, que escreveu no primeiro dia da guerra, Victoria contou que estava sentada apenas “com uma mochila de bens essenciais, depois de esperar na fila da farmácia durante 3 horas num clima de inverno”, mas não queria ajuda com o alojamento, apenas partilhar os seus sentimentos e pensamentos. Mas qual a razão para não simplesmente fugir? “Quando és um profissional de saúde, não podes sair do país. Não interessa se és homem ou mulher. Não vão permitir que saias. A minha mãe é uma profissional de saúde e o meu padrasto trabalha para o governo, é homem, por isso também não tem permissão. Os únicos que restam sou eu e a minha irmã de 10 anos. Não há forma de sairmos”, explica.
No entanto, horas depois, a situação mudou completamente. “Quando soubemos de toda a situação da guerra, quando a cidade dos meus amigos começou a ser bombardeada, escrevi uma nova publicação a pedir um alojamento para os meus cinco amigos, que eram todos do sexo masculino, porque é mais fácil uma mulher sair do país do que um homem”, refere Victoria. “Todos os homens estão proibidos de sair do país porque vão ser levados para a guerra. Nós tentámos o nosso melhor para nos juntarmos e fazer com que os rapazes saíssem imediatamente, mas infelizmente não conseguimos fazê-lo. Ninguém saiu do país. Todos ficaram em casa”, acrescenta.
Ajudas vieram imediatamente e de todo o mundo
“Muitas pessoas começaram a enviar-me mensagem para os meus amigos e para a minha família, mas não usei nenhuma das ajudas. Ainda estou na minha cidade. Todos os meus amigos estão aqui. Só apenas duas amigas, que são do sexo feminino, conseguiram sair do país. Agora estão a salvo. Aqueles que me ofereceram ajuda, eu partilhei a ajuda que eles ofereceram com amigos da minha irmã ou pessoas que mais precisavam, refugiados das cidades bombardeadas. Tenho a certeza que alguns deles usaram”, conta.
Apesar de ainda estar em casa com a família, Victoria tem um plano B para o caso de a situação na sua cidade ficar impossível de gerir: “Tenho mantido contacto com uma rapariga de Budapeste, Hungria, que se ofereceu para me dar estadia. Se a situação ficar mesmo muito muito muito má, vou agarrar na minha irmã e vou para lá se ficar mesmo perigoso”, explica.
“Estou a ter apoio de muitas pessoas, mas infelizmente, há medida que os dias passam, as pessoas perdem interesse no que se passa e a situação no meu país piora. É puro genocídio da nação. A única coisa que precisamos é de partilhar para que as pessoas saibam a verdade sobre o país porque muitas pessoas não acreditam”, afirma.
Viagem de comboio em pé durante 14 horas
No momento da entrevista, a jovem estava à espera que “dois amigos da cidade de Kharkiv, que está completamente destruída, com inúmeras mortes” chegassem até à sua cidade. Mas o trajecto não ia ser fácil. “Os dois rapazes têm 20 e 21 anos. Eles compraram bilhetes ontem [terça-feira] e ninguém os deixou entrar no comboio. Estão há espera há 8 horas. Havia vários comboios, mas nenhum os levou. Há 30 minutos entraram num comboio e o caminho é de cerca 14 horas. Não há sitio para sentar, não há sitio para dormir. Eles estão em pé e vão ficar em pé durante 14 horas“, conta.
A SIC Mulher entrou novamente em contacto com Victoria para saber como estava a situação e esta explicou que “os dois amigos conseguiram escapar aos bombardeamentos em Kharvik, a cidade mais bombardeada da Ucrânia”, e chegar até à sua casa são e salvos após uma viagem de 15 horas em pé no comboio.
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