“Se não fôssemos persistentes, já estava morto” – A força de viver de um cão com tumor na medula

E tudo começou com Simba a arrastar a perna. A tutora, Marta Cortez, conta à SIC Mulher os desafios que enfrentaram (e ainda enfrentam).

Fotografia cedida por Marta Cortez
Fotografia cedida por Marta Cortez

SIC Mulher

Nasceu em dezembro de 2022 e foi adotado um mês e meio depois. Falamos de Simba, que veio alegrar a vida de Marta Cortez e fazer companhia ao ‘mano’ Ringo, o outro cão desta família de Santarém. O maior desafio estaria por vir: um diagnóstico errado e, posteriormente, uma alegada negligência veterinária. O bebé “brincalhão, sempre energético” tinha, afinal, um tumor na medula. Já lá iremos.

Falámos com a tutora de Simba que nos contou como se apercebeu que alguma coisa não estava bem. “Até aos quatro meses e meio estava tudo bem. Em meados de maio [do ano passado], ele começou a arrastar a pata traseira do lado direito e achámos estranho. Começou a piorar e levei-o ao veterinário onde costumávamos ir”, recorda Marta.

O veterinário terá pedido que regressasse se não houvesse melhoras e assim foi: “O Simba já não mexia a pata completamente, já estava mesmo toda no chão. Marcou-se um raio-x e o veterinário disse-nos que era displasia da anca, que não havia muito a fazer, conta Marta, acrescentando que foi aconselhada a fazer um despiste num hospital veterinário.

Fotografia cedida por Marta Cortez

Uma pesquisa a centros de reabilitação levou-a até ao Centro de Reabilitação Animal da Arrábida (CRAA) do Hospital Veterinário da Arrábida, em Vila Nogueira de Azeitão. “Viram o raio-x que tínhamos feito no dia anterior, disseram logo que não era displasia da anca porque a anca estava normal. Desconfiaram que fosse uma bactéria que se tivesse alojado nas vértebras, fizeram a análise e não era”, diz. Simba acabou por ficar internado e dias depois “já não mexia as duas patas de trás”.

Com a sua condição a piorar, os veterinários terão marcado uma TAC: “Soube-se que era um tumor na medula. Eu perguntei qual era a solução e eles disseram ‘não há nada a fazer a não ser fisioterapia para ele não perder a pouca mobilidade que tem nas patas’, relembra. Eu perguntei ‘não há operação? Acupuntura?’ e eles disseram ‘não, nada disso resulta’. Então ele passou por 30 sessões de fisioterapia, no início. Ao final dessas 30 sessões, como estava estável, sugeriram fazer mais 30 sessões e ele continuava internado. Quase no fim das 30 sessões, da segunda vez, sugeriram-nos então continuar a fazer fisioterapia, mas só uma vez por semana”, explica.

Houve alguns sustos durante este processo. Simba terá começado a ir ao fim de semana a casa, mas Marta deparou-se com “uma ferida na pata direita, a da frente“. “No dia a seguir, ele já nem conseguia que lhe mexêssemos na pata, começou a ficar muito inchada. Eu carregava e saía pus. Liguei logo para o hospital e disseram para ir lá urgentemente. Cada vez que tínhamos uma urgência destas pagávamos cerca de 200 euros numa noite. Eu já tinha, até aquele momento, gasto dois mil euros num mês e meio, lamenta.

Não morre do tumor, morre da porcaria de uma bactéria

A ‘lebre’, como a família lhe chamava porque corria de um lado para o outro, terá ficado a antibiótico e a soro. “Esteve uma semana sempre com febre e a ferida continuava sempre a alastrar. Ligaram-me para lá ir porque ele estava em risco de morrer por causa da bactéria, então tinha de ir assinar um termo de responsabilidade. Não morre do tumor, morre da porcaria de uma bactéria. A ferida nunca melhorou”, conta.

Alguns dias depois Simba “já não comia”. Foi então que Marta decidiu que iria fazer comida em casa e levar ao hospital. “Cheguei lá e eles tinham-me pedido 15 euros para um medicamento e eu disse ‘eu não tenho 15 euros, vai ter de ficar aí, depois quando os tiver dou-vos’ e eles disseram ‘tem aqui ainda dívida da fisioterapia’. Eu assinei um termo de responsabilidade com o valor da dívida”, explica.

Nesse mesmo dia, Marta Cortez conta que uma médica veterinária lhe disse que podia levar Simba para casa. “Quiseram que eu fosse lá, passado dois dias, para o reavaliar. Eu fui de Santarém para Azeitão. Fiz essa viagem durante dois meses, diz. Após a observação, que segundo a tutora de Simba foi limitada, “disseram ‘agora tem de vir cá de dois em dois dias’ e eu disse ‘não, não vou fazer 200 quilómetros só para vocês verem como está a ferida e como está a locomoção’ e eles disseram ‘mas é que assim vem para nos vir pagando’. Eles queriam que eu fosse para pagar, era a garantia. Eu disse ‘vocês têm um documento assinado por mim, eu não estou a negar a dívida, vou-vos pagando à medida que posso'”, afirma.

“O Simba estava com dois antibióticos e anti-inflamatório. Fui fazendo aqui com outras pomadas naturais, ele foi melhorando e a ferida foi fechando”, acrescenta.

Fotografias cedidas por Marta Cortez

Marta decidiu pedir uma segunda opinião. “O médico que nos atendeu começou a questionar-nos se o tumor ‘era maligno ou benigno’ e eu disse que não sabia, ao que ele me responde que isso é a primeira coisa a determinar para depois saber o tratamento que se faz. Eu disse que o que me tinham dito é que como era na medula não podia ser mexido e ele disse que ‘há quimioterapia, radioterapia, tratamentos que se pode fazer para ele não estar em sofrimento’, recorda a tutora, acrescentando que lhe foi sugerido ir a um oncologista.

“Teve alta a 27 de julho do hospital e a 10 de agosto fomos ao oncologista a Mafra. A primeira coisa que o médico veterinário nos disse foi o mesmo, que em caso de tumor é feita uma biópsia para saber com que tipo de tumor se está a lidar para depois se fazer o tratamento. Depois perguntou-me qual era a medicação que o Simba tinha e ajustou-a porque a que lhe tinham dado no Hospital da Arrábida estava abaixo daquela que deveria tomar”, recorda.

Tiraram o máximo que puderam em segurança

O Simba acabou por ser submetido a uma cirurgia: “Tivemos de a adiar uma semana porque não tínhamos o valor todo, foi cerca de 1500 ou 1600 euros. Tiraram o máximo que puderam em segurança e fez-se uma biópsia. O tumor é maligno, conta. “É um nefrobastoma, um tipo de cancro renal embrionário, mas no caso do Simba alojou-se na medula, daí ser um cancro incomum. O que nos dizem é que é um tumor de crescimento rápido e que não tem cura, pelo menos que se conheça, sublinha.

O lema de Marta Cortez é não desistir. Após ter feito sessões de quimioterapia, Simba está agora a fazer tratamentos de acupuntura e ozonoterapia, injeções de Viscum Album, “conhecido por ter efeito anticancerígeno”, e a tomar alguns suplementos. O objetivo é que reinicie a fisioterapia. “Ele anda na cadeira de rodas, mas as patas de trás não têm muita ginástica. Estão a começar a ficar um bocadinho atrofiadas”, explica.

No entanto, os resultados dos tratamentos são visíveis: “Perdeu a massa muscular do corpo todo quando esteve internado, não conseguia estar muito tempo na cadeira de rodas. Agora corre a casa toda, tivemos de arranjar tapetes de ginástica para não escorregar. Tem força, pula com as patas da frente, tenta levantar as patas de trás fazendo força com as da frente e tem melhorado bastante, explica.

Fotografias cedidas por Marta Cortez

A luta não tem sido fácil quer a nível emocional, quer a nível financeiro. Em sete meses foram oito mil euros. Este ano ainda não fui ver, mas à partida já deve ir em três ou quatro mil euros. As despesas mensais com o Simba, em termos de tratamento, rondam os 700 ou 800 euros por mês, fora a fisioterapia, em que cada bloco de 30 sessões são à volta de 600 euros. São dois ordenados”, explica.

Para ajudar a colmatar as despesas, Marta criou uma página no InstagramSimba On Wheelsonde faz atualizações sobre o estado de saúde e também tem outra página onde vende peças de bijutaria e sabonetes artesanais, sendo que todo o valor das vendas reverte para as despesas de Simba. As ajudas podem ainda ser enviadas através dos números de Mbway e IBAN, disponíveis na plataforma, ou através da página do GoFundMe.

O Hospital Veterinário da Arrábida terá entrado em contacto com Marta após o caso ganhar mais visibilidade. Ligaram a dizer que queriam ajudar e por isso perdoavam a dívida que lá tínhamos, que eram 450 euros, afirma. Ainda assim, a família decidiu recorrer a um advogado, que “fez a interpelação ao hospital” para chegarem a um acordo. “Os advogados falaram com os clientes e três semanas depois recebemos a resposta que eles acham que não houve negligência, que tudo foi explicado e que o Simba foi sempre bem tratado, conta a tutora.

“Após a devida apreciação, lançaremos mão das ferramentas jurídicas e judiciais disponíveis para que, através dos vários e competentes procedimentos legais, seja o caso em concreto devidamente apreciado por entidade independente e idónea, em ordem à reposição da justiça”, refere o advogado Telmo Coelho.

A posição do hospital em relação a este caso

À SIC Mulher, o hospital garante que “os tratamentos efetuados ao canídeo de nome Simba foram os adequados ao quadro clínico que o doente apresentava quando foi admitido no Centro. Em relação a este assunto não temos mais nada a referir”.

A verdade é que Marta Cortez não baixou os braços e, contra todas as probabilidades, Simba completou 16 meses no passado dia 15 de abril. “Eu já não estou a olhar para o dinheiro. É para terem noção que erraram e que não repitam. Se não fôssemos persistentes, o Simba já estava morto, já não estava cá. Ele continua cheio de vida, tem uma energia. Tem uma força de viver. Ele encontra defesas para a deficiência dele, remata.

Nota: Simba lutou até ao fim, mas infelizmente acabou por falecer nos braços da tutora no passado dia 4 de agosto. A triste notícia foi partilhada nas redes sociais por Marta Cortez, que referiu que “o coração do Simba não aguentou e, desta vez, não conseguiu vencer estar batalha”.