A morte de um filho é uma perda muito dolorosa. E no caso da escocesa Lydia Reid, esse momento tornou-se ainda mais traumático. O seu filho, Gary, tinha apenas uma semana de vida quando morreu – e só conseguiu enterrar o seu corpo 48 anos depois.
Gary faleceu em 1975. Quando Lydia pediu para ver o filho alguns dias depois, viu uma criança diferente. Ainda assim, houve um funeral. Mais tarde, esta mãe descobriu uma terrível verdade e era pior do que alguma vez pôde imaginar.
Há cinco anos, uma antropóloga concluiu que o caixão que foi enterrado não continha restos mortais – não havia nenhuma esqueleto nem nenhum sinal de decomposição. Quase cinco décadas depois, a mulher de 74 anos, com cancro terminal, consegue respirar de alívio depois de recuperar no mês passado os restos mortais do filho e enterrá-lo no cemitério de Saughton, em Edimburgo, Escócia.
“A dor foi terrível. Agora posso enterrá-lo antes de morrer, sinto alívio”, disse ao Evening News. “Os meus sentimentos são tão difíceis de explicar. Eu lutei durante tanto tempo com medo de falhar com todos os meus meninos, especialmente o Gary. Eu não conseguia acreditar que tinha conseguido. Finalmente ele teve a sua missa e seria enterrado. Não foi o enterro que queríamos, mas pelo menos um enterro. Agora o Gary está em paz“, acrescentou.
O que aconteceu com o corpo de Gary?
O pequeno Gary nasceu com a doença de Rhesus, uma condição que resulta de uma incompatibilidade sanguínea entre mãe e feto, podendo levar, entre outros problemas de saúde, à morte do feto. O terceiro filho de Lydia, Steve, nasceu com a mesma doença e o seu outro filho, Bruce, morreu vítima de cancro em 2006.
Ao longo dos anos, Lydia descobriu que partes do corpo de Gary foram retirados para testes sem a sua permissão e outras partes foram armazenadas na Enfermaria Real de Edimburgo. Até hoje, esta mãe não sabe o que aconteceu ao resto do corpo do filho. Apesar do alívio que sente por conseguir finalmente enterrá-lo, ela garante que nunca irá desistir de encontrar respostas.
“Todas as manhãs, durante todo este tempo, acordei e senti como se o meu coração tivesse sido arrancado do meu corpo e esquecido de ser colocado de volta. O seu corpo pequenino pode estar em qualquer lugar”, contou.
Restos mortais colocados dentro de saco de plástico
Perante esta dolorosa situação, Lydia liderou uma campanha com o objetivo de expor como os hospitais retiveram ilegalmente partes do corpo de crianças mortas para pesquisa. Em 2022, ela fez greve de fome e acampou fora do Crown Office [Ministério Público da Escócia]. Nesta altura, conseguiu a ajuda de um membro do parlamento escocês, Foysol Choudhury, e recuperou os restos mortais do filho.
Quando obteve parte do corpo do bebé, a escocesa estava a fazer tratamento oncológico e ficou muito abalada ao receber dos funcionários do NHS [serviço nacional de saúde do Reino Unido] os restos mortais de Gary num saco de plástico. “Fiquei chocada. Esta é a única parte do meu filho que tenho. Fiquei absolutamente horrorizada”, recordou.
Entretanto, os funcionários levaram novamente os restos mortais, que foram enviados para o agente funerário. Os chefes do NHS pediram desculpas publicamente por qualquer sofrimento causado, alegando que os restos mortais estavam dentro de um caixão de madeira e foram depois colocados num saco plástico “para evitar chamar a atenção enquanto caminhavam pelo hospital”.
6 mil órgãos e tecidos retidos ilegalmente
Em 2017 foi emitida uma ordem judicial que permitiu a realização da exumação. Especialistas disseram que o caixão tinha sido enterrado sem conter restos mortais, mas o Crown Office disse que uma investigação concluiu que Gary tinha sido enterrado no momento da sua morte e que as descobertas da altura em que o túmulo foi exumado eram “limitadas em escopo”.
Ainda segundo o Evening News, o NHS na Escócia admitiu a retenção ilegal de órgãos após uma investigação sobre a retenção de órgãos no hospital Alder Hey, em Liverpool. Cerca de 6 mil órgãos e tecidos foram mantidos por hospitais escoceses entre 1970 e 2000, muitos deles de crianças.
No entanto, o Ministério Público – que conduziu a investigação – ainda sustenta que não há evidências de criminalidade ou retenção ilegal de órgãos no caso de Gary.