Viktoriia Koks estava num torneio de ténis no Dubai quando lhe disseram que a Rússia tinha atacado a Ucrânia, no dia 24 de fevereiro. A sua primeira reação foi ‘Isto não pode ser verdade‘. Entrou imediatamente em contacto com a família, que vive em Kyiv, e a resposta deixou-a em estado de choque: “Disseram que acordaram com a explosão”, afirma a treinadora de ténis numa entrevista exclusiva à SIC Mulher.
A jovem, que vive com o namorado, conta que o companheiro “acordou às 6h da manhã e viu e ouviu as bombas” e, juntamente com a família, inclusive os sobrinhos de cinco meses e seis anos, recolheram documentos, comida, água e algumas roupas e foram para uma casa que têm em Gostomel. “Foi uma má decisão. Eles não conseguem sair de Gostomel porque ainda há ataques nesta zona. Ouvem bombas o tempo todo. Estão numa cave da casa, mas muitas vezes não tinham electricidade. Não consegui falar com eles durante mais de 10 horas porque a Internet era má e nem sequer conseguiam carregar os telemóveis”, explica.
“Conduzir pela estrada é muito desconfortável porque os militares russos muitas vezes disparam contra os civis ou escondem-se atrás deles para entrarem na cidade”, afirma a treinadora de ténis, referindo ainda que “o mundo todo sabe da guerra, mas não compreende a sua escala”.
“Não posso ajudá-los porque estou fora do país e não posso entrar porque está bloqueado. Eu queria ir para a Ucrânia, mas eles disseram-me ‘Por favor, nós estamos felizes por não veres todas estas coisas horríveis e que estejas fora da Ucrânia. Fica aí onde estás'”, disse. Perante a terrível situação, Viktoriia recorreu ao grupo ‘Host a Sister’, um grupo de viagens somente de mulheres, para pedir alojamento por algum tempo na Polónia e recebeu uma onda de solidariedade enorme.
Mas afinal quem são estas pessoas dispostas a ajudar? A SIC Mulher falou com mulheres de vários pontos do mundo, que se mostraram disponíveis no grupo para ajudar refugiadas ucranianas, os seus filhos e restante família. Karolina Oledzka, que vive em Portugal, é uma delas. “Para nós, polacos, é algo muito pessoal. Eles são nossos amigos, colegas, alguns deles falam polaco até porque as nossas nações partilham história. Eles são como nós, a diferença é que tivemos a sorte de ter um ótimo governo após o colapso do comunismo e chegar mais rápido à União Europeia e à NATO“, afirma.
A empresária, que vai abrir o spa ‘Feel Good Place’, em São Bento, em abril, escreveu no grupo que teria todo o gosto em oferecer trabalho em Lisboa e ajudar com o alojamento. “Tentamos ajudar o máximo que podemos. Não posso lá estar pessoalmente para ajudar na fronteira, mas talvez dar emprego irá convencê-los a vir a Lisboa para encontrar um lugar tranquilo para viver”, disse. Karolina já conseguiu oferecer alojamento a várias famílias na Polónia. “Algumas delas querem mudar-se para Portugal, mas é difícil virem diretamente para aqui se não tiverem amigos ou familiares porque ainda acreditam que é temporário e poderão voltar para casa em breve”, acrescenta.
Procurar um lar em Lisboa é um objetivo de Anna Chumak. A designer, que vivia na Ucrânia, foi de viagem uns dias antes do início da guerra. “Não tinha nenhum lugar para regressar, então decidi ir para Portugal e tentar ficar lá até perceber o que fazer. Encontrei uma rapariga no grupo que me alojou e ajudou muito. Agora estou no seu apartamento em Barcelona e nos próximos dias irei para Lisboa”, explica.
“Todos os dias sinto-me um pouco impotente perante tanta miséria, tanta dor”
M., que vive em Portugal, mas prefere manter o anonimato, também foi uma das mulheres que decidiu dar o seu contributo: “Estudo direitos humanos e todas as crises que envolvem os mesmos. Todos os dias sinto-me um pouco impotente perante tanta miséria, tanta dor. Agora uma nova guerra, pessoas mais uma vez a perder as suas casas, familiares, estrutura, o seu país e a sua língua quando se vêem forçadas a adquirir o título de refugiadas uma vez que o seu país, a sua casa, já não são seguros. Senti que o mínimo seria oferecer o que tenho, no meu caso camas livres em casa“, explica a estudante de direitos humanos.
Izabela Depczyk vive em Faro, no Algarve, e disponibilizou-se para oferecer estadia a uma mulher com crianças ou uma família até quatro membros por um período de seis meses, inclusive ajudar com as despesas dos bilhetes de avião. “Estive em contato com vários indivíduos que estão a fugir da guerra na Ucrânia. Muitos deles expressam gratidão pela oferta, mas até agora a maioria encontra refúgio na vizinha Polónia ou Eslováquia e alguns deles ainda estão presos em cidades ucranianas e não podem sair”, explica.
Mas a ajuda não fica por aqui: “Decidi ajudar porque é a coisa certa a fazer. Sou polaca e tenho familiares e amigos na Ucrânia, Rússia, Bielorrússia. Estamos todos unidos contra Putin e contra os mafiosos do Kremlin, unidos para ajudar irmãos e irmãs necessitadas. Também estou a organizar uma angariação de fundos apoiada por artistas incríveis. Será lançada no dia 10 de março e os lucros serão doados ao Voices of Children, uma organização ucraniana que auxilia no processo de evacuação e fornece apoio psicológico a crianças traumatizadas pela guerra“, disse.
Também a viver em Portugal está Erin Anderson, que se encontra em seis grupos de ajuda humanitária diferentes e disponibilizou um quarto com uma cama de casal e um sofá. “Estou a ajudar porque é a coisa certa a fazer. Eu conheço a guerra. Servi no Iraque e no Afeganistão e sei como é perder tudo. O meu mestrado é em Estudos da Paz (MPhil) e percebo o poder que as pessoas têm ao trabalharem juntas”, afirma. “A primeira refugiada chegou ontem [7 de março]. Fui buscá-la e está inscrita no SEF [Serviço de Estrangeiros e Fronteiras]… Está muito contente por estar num país seguro“, conta.
“Um lar acolhedor, estruturado e seguro é um passo fundamental“
Ana Naia nasceu no Faial, Açores, mas vive em Oulu, na Finlândia, com a família. Ainda não esteve em contacto com nenhuma família ucraniana, mas o apoio que decidiu oferecer centra-se na acomodação de uma mulher e de uma criança e na oferta de sessões de Life Coaching gratuitas a mulheres e jovens refugiados da guerra. “A minha avó e respetivos filhos (a minha mãe e o meu tio) já passaram por uma situação semelhante. Foram refugiados da guerra do Congo Belga em 1960 e fugiram do Congo Belga para Ruanda, para Antuérpia, e sempre foram bem recebidos por pessoas que acomodavam refugiados. Ainda hoje me lembro de alguns relatos que a minha querida avó me contava sobre esta experiência. Eu quis retribuir esta simpática e inesquecível ação, esperando ter também um impacto positivo da vida destas pessoas. Esta fase da vida da minha avó e forma como sempre foram bem recebidos, bem como o feliz desfecho desta história, em muito contribuiu para a pessoa excecional em que ela e os seus filhos se tornaram”, recorda.
“É fundamental estas pessoas serem apoiadas e considero que um lar acolhedor, estruturado e seguro é um passo fundamental, bem como sessões de Life Coaching às mulheres e jovens nesta fase de transição das suas vidas e que se não for bem resolvida, terá um enorme impacto, não só a nível pessoal, como a nível profissional e consequentemente a nível social”, acrescenta Ana, que trabalhou como docente universitária durante 16 anos.
“Ajuda-nos a dormir um pouco melhor à noite“
Os avós de D., que vive na Polónia, mas prefere manter o anonimato, também passaram pela guerra. “Eles contaram-nos como foi terrível e como foi importante qualquer ajuda que receberam”, explica, referindo que os seus pais, que moram perto da fronteira, estão a hospedar uma família e arranjaram-lhes empregos. “Não é só a Polónia que está a ajudar, todos os países que fazem fronteira com a Ucrânia também ajudam. Pessoas de todo o mundo a tentar chegar para ver como podem ajudar. É incrível e eu sei que pelo menos até agora nenhuma pessoa que atravesse a fronteira fica sozinha e isso ajuda-nos a dormir um pouco melhor à noite“, afirma.
Zerha Calagan vive em Geel, na Bélgica, e assim que a sua cidade criou um banco de dados onde as pessoas poderiam inscrever-se se quisessem ajudar, dando aos refugiados ucranianos um lugar seguro para ficar, não pensou duas vezes. “Eu realmente espero poder ajudar algumas mulheres e crianças dando-lhes um espaço seguro e comida. Esta situação parte-me o coração, a injustiça é uma das coisas que realmente mexe comigo. (…) Não há muito que eu possa fazer, mas também não quero não fazer nada“, sublinha.
“Os meus avós estavam na Segunda Guerra Mundial. O meu avô lutou na guerra e também ajudou os judeus, deu-lhes abrigo e comida e ajudou-os a esconderem-se. Acho que tenho o grande coração do meu avô porque ele era o homem mais gentil e corajoso que eu conhecia”, conta.
“Matar mulher e crianças numa guerra é crime“
Carole Gascoigne vive na Escócia, mas tem uma casa na Bulgária. “Estive em contato com uma família ucraniana, eles queriam uma casa para a família. No entanto, conseguiram encontrar mais perto, o que foram boas notícias. As pessoas da Ucrânia precisam de apoio emocional assim como um teto. Matar mulher e crianças numa guerra é crime“, afirma. Mais tarde, Carole contou-nos que um grupo de duas mulheres e duas crianças estavam a tentar chegar à sua casa. Encontravam-se em Lvov, na Polónia, e tinham conduzido mais de 20 horas desde a Ucrânia. “É um mar de gente”, lê-se na mensagem enviada a Carole.
Mais longe, vive Maggie Patterson com o marido e os filhos menores. Oferece um quarto a famílias na Carolina do Sul, Estados Unidos, e os animais também são bem-vindos. “Vejo mulheres e filhos a serem separados dos seus maridos e pais. Não consigo imaginar o que seria deixar a minha família, animais, tudo o que construí a minha vida toda, sem saber se voltaria a ver os meus ente-queridos outra vez. Esta é uma forma de ajuda. Para dar um lugar seguro aos ucranianos durante a fase mais terrível das suas vidas”, conta.
Além de oferecer estadia, Maggie e o marido fazem reservas de Aibnb em Kyiv. Eis a razão: “Dizemos-lhe que não vamos para eles conseguirem o dinheiro diretamente”, explica. “Claro que a oferta [do quarto] ainda vale para qualquer pessoa que já tenha visto ou passaporte para nos visitar, mas não há muitas pessoas que tenham a sorte de estar nessa situação”, sublinha.
Valeria Moroz conseguiu escapar da Ucrânia com a família, a mãe e as duas irmãs. “Acordámos às 5h da manhã, ouvimos bombas e conduzimos. A situação está terrível. Todas as pessoas que saem dos edifícios são mortas. Casas são destruídas“, destaca. Felizmente, a jovem que também já foi refugiada na guerra em 2014, conseguiu chegar são e salva a casa de um casal em Sandomierz, na Polónia. Infelizmente, o pai de Valeria não conseguiu atravessar a fronteira. Agora, Valeria está com a família em Varsóvia.
Macarena é de Sevilha, mas está neste momento a viver na Polónia, e está a oferecer o seu sofá-cama. “Acordei na quinta-feira e como não sigo as notícias, amigos meus enviaram-me vídeos do que estava a acontecer. Eu senti-me super ansiosa porque eles precisava de ajuda e eu estava quieta em casa. Para mim era óbvio que não havia outra opção a não ser oferecer a minha casa“, afirma.
“Estou em contacto com ela todos os dias”
A espanhola esteve em contacto com algumas jovens ucranianas, todas elas do grupo ‘Host a Sister’. “A primeira, Viktoria, não veio porque conseguiu arranjar um sítio para ela e para a família na Hungria. Eu só posso hospedar uma pessoa, eles eram três. A segunda, Elvira, quando lhe enviei mensagem ela disse que já tinha arranjado um sítio, mas ficou com o meu número porque outros amigos seus precisavam de um sítio. Agora estou a falar com a Elisa, que está neste momento na Ucrânia. Ela acha que irá chegar à fronteira nos próximos dias. Estou em contacto com ela todos os dias, a dar-lhe informações sobre a fronteira e os recursos que terá assim que chegar à Polónia”, explica.
A SIC Mulher entrou em contato novamente com Macarena para saber se Elisa tinha conseguido entrar na Polónia. Após alguns dias sem notícias, a ucraniana chegou finalmente à Polónia. “Disse-me que conseguiu. Alguns voluntários foram ter com ela na fronteira e está agora em Varsóvia. Irá ficar lá durante alguns dias e depois decide se vem para a minha casa. Ela disse-me que achava que ia morrer no caminho, que foi tão difícil. Estou muito feliz que esteja finalmente em segurança“, revela.
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