O relato arrepiante de uma ucraniana na Jornada Mundial da Juventude: “Estamos à espera que o Papa diga quem são as vítimas e quem são os assassinos desta guerra”

De que forma a Igreja Católica está a apoiar no terreno a Ucrânia? E a população? Será que mantém a sua fé num cenário de guerra? Descubra tudo aqui, com relatos na primeira pessoa, de uma freira ucraniana.

O relato arrepiante de uma ucraniana na Jornada Mundial da Juventude: “Estamos à espera que o Papa diga quem são as vítimas e quem são os assassinos desta guerra”

Jornada Mundial da Juventude

Ao longo dos últimos dias, a Jornada Mundial da Juventude recebeu milhares de peregrinos de todas as nações e países — esta é uma premissa certa e sabida. E, quem fez vários quilómetros até à capital portuguesa chegou com vários objetivos. Uns para fortificar a sua fé, outros para estar em comunhão com pessoas de diferentes culturas, e ainda aqueles que queriam a todo o custo ver, bem de perto, o Papa Francisco. Na verdade, entre a imensidão de gente que percorreu Lisboa na última semana, os propósitos não diferiam muito uns dos outros.

Nos vários diálogos entre a SIC e os peregrinos, contudo, era nítida a diversidade e a particularidade de histórias que se puderam encontrar em todos os espaços onde estavam a decorrer atividades da Jornada Mundial da Juventude. Entre eles, surpreendeu-nos um relato agonizante de uma mulher, freira, ucraniana, que facilmente impactaria qualquer coração crente (ou descrente). Chama-se Marta, vem diretamente da Polónia, porque foi obrigada a abandonar o seu país, a Ucrânia, neste período de guerra. Acompanhavam-na cerca de quatro dezenas de outros ucranianos, todos afetos à Igreja Católica.

Para nós é muito importante fazer parte da Jornada Mundial da Juventude porque somos parte da grande Igreja Católica e somos ucranianos… A guerra está a ser uma grande hipótese de mostrar a todo o mundo que existimos, que estamos a lutar, que nós temos verdadeiros problemas e que precisamos das orações e do apoio da Igreja Católica e dos outros países. É muito importante que as pessoas se lembrem que no século XXI existem coisas feias e horríveis como a guerra. Mesmo que pensemos que não seja possível… é!“, começou Marta por desabafar.

No contexto agora vivido na Ucrânia, enganem-se todos aqueles que pensam que a Igreja Católica não está a ter um papel preponderante naquilo que é a ajuda humanitária a todos os que estão a ser vítimas do confronto bélico com a Rússia. Segundo o relato de Marta, é, também, “a igreja que ajuda, que suporta, que vai lá, onde existe guerra, onde existe dor e nas dificuldades traz àqueles que tanto precisam esperança, amor e crença“. Na verdade, muitos bispos, padres e outras pessoas religiosas predispõe-se a entrar em territórios ocupados pelas tropas para levar à comunidade comida, água e medicamentos.

Marta, inclusive, partilhou com a SIC o tremendo relato de uma freira da sua Congregação que foi corajosa a ponto de avançar precisamente com a difícil missão acima mencionada, tudo por amor aos outros e ao próximo. Apesar de o desfecho da história ter um final feliz, “um milagre“, como descreve Marta, a verdade é que esta mulher foi alvejada por armas russas que estiveram por um fio de lhe roubar a vida. “Ainda bem que há pessoas que fazem isto. É uma hipótese para a Igreja Católica mostrar que Deus e a igreja estão naqueles sítios onde acontecem as mais difíceis coisas. Mas estão lá: a ajudar pessoas”.

Um grupo de jovens ucranianos no Parque Tejo.

Porém, segundo esta ucraniana, há mais a fazer, sobretudo por parte do Papa Francisco. Utilizando uma metáfora que relaciona o facto de os filhos quando estão aflitos procurarem inevitavelmente os pais para os ajudar, assim também os ucranianos católicos esperam o apoio do Sumo Pontífice.Estamos à espera que o Papa diga, especialmente, quem são as vítimas e quem são os assassinos desta guerra. É muito importante dizer que o mal é o mal e o bem é o bem!, deixou bem claro, Marta.

A entrevistada da SIC chegou até a ir mais longe. Quase como um convite, além do apoio e da ajuda por parte do Bispo de Roma, Marta pede especialmente a presença espiritual do Papa e até mesmo a presença física, reconhecendo os perigos que isso acarreta uma vez que segundo a sua interpretação “não existe, neste momento, um lugar seguro no seu país. Mesmo assim, seria muito bom que o Papa visitasse a Ucrânia. Nós temos uma esperança enorme que ele venha até nós e diga ‘Hey, meus filhos, eu estou convosco’. Quando tu estás em problemas começas a apreciar coisas que não podias apreciar antes”.

Interpelada sobre a relação que existe entre a manutenção da fé e da guerra, Marta explicou ainda que o próprio contexto de dor, sofrimento e de morte leva aqueles que creem em Deus a uma série de questões e dúvidas. Diariamente, os ucranianos veem ser enterradas pessoas muito próximas: avós, pais, mãe, filhos, que são vítimas da atual guerra. E tal leva-os inevitavelmente a questionamentos. Não consigo explicar de forma alguma o que é doloroso ver crianças a verem os pais morrer e os pais a verem os seus filhos a morrerem-lhes nos braços. É impossível eu explicar a agonia, o que sentimos!“.

Apoderando-se deste mesmo contexto, Marta recorreu ao seu conhecimento bíblico para explicar que, independentemente disso, a vida do cristão não é como muitos pensam: sem dores, sem dificuldades, em que tudo é realmente fácil e muito feliz. “O nosso Deus mostra-nos que não! Até Jesus, durante a sua vida terrena, a grande maioria da Sua vida foram dificuldades e no fim, na cruz, foi muito difícil. E agora na Ucrânia nós temos uma situação parecida. Mais do que nunca temos de nos questionar ‘Eu acredito ou não naquilo que Ele é?’“.

Um grupo de jovens ucranianos na Colina do Encontro.

O que acontece neste momento e que relata Marta diz respeito ao facto de que para muitos cristãos é difícil perceberem aquilo a que a própria designou ‘o silêncio de Deus’. Muitos questionam-se sobre a Sua existência e iram-se pelo facto daquele de quem tanto acreditam não estar, por palavras simples, interventivo nesta questão da guerra.

Infelizmente, na Ucrânia, nós estamos a fazer a nossa escolha neste exato momento. É por isso que nós precisamos tanto das vossas orações, do vosso apoio. E também suporte financeiro e humanitário. A guerra é possivelmente a coisa mais difícil e feia que pode acontecer em pleno século XXI“.

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